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A cientista que põe bactérias a fabricar plástico biodegradável
4 | Agosto | 2017
Maria Reis e a sua equipa no laboratório onde as bactérias produzem polímeros de plástico no biorreator que se vê à esquerda
Maria Reis cria dois a três quilos por semana a partir de resíduos da indústria alimentar São os seres vivos mais antigos da Terra e provavelmente os mais numerosos, mas continuamos a aprender com eles. Ou melhor, com elas, as bactérias. Desta vez, na prevenção de uma praga que se está a espalhar por mares e continentes: os resíduos de plástico.
Maria Reis, professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, lidera no Departamento de Química (na unidade UCIBIO)uma equipa de 36 investigadores e técnicos — o Grupo Bioeng — que está a transformar as bactérias, microrganismos unicelulares, em autênticas fábricas de plástico. Só que o material produzido tem uma diferença radical em relação ao que contamina a Natureza: é biodegradável, decompondo-se em água e dióxido carbono ao fim de três a quatro semanas, contra as centenas de anos que os cientistas estimam para a decomposição dos plásticos convencionais, fabricados a partir do petróleo.
O mais surpreendente é que estas bactérias produzem plásticos a partir de resíduos que de outra forma teriam de ser tratados ou incinerados, com elevados custos. Soro de leite, resíduos de concentrados de fruta, lamas das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e resíduos sólidos urbanos são consumidos pelas bactérias. Dentro delas ou nas suas paredes formam-se, então, polímeros, isto é, aglomerados de moléculas. Ou são simplesmente expelidos.
Os resíduos são colocados em biorreatores, recipientes fechados onde se dão reações químicas envolvendo as bactérias, que depois produzem biopolímeros. Os que se formam dentro das bactérias (intracelulares) são conhecidos por um nome extenso, complicado e difícil de fixar: Polihidoxialcanoatos (PHA).
“MODO DE FOME E FARTURA”
“Os PHA têm uma grande procura no mercado porque são parecidos com os plásticos convencionais nas propriedades mecânicas e químicas”, explica Maria Reis. “Trabalhamos há mais de 15 anos neste domínio, onde somos pioneiros a nível mundial. E conseguimos obtê-los porque usámos culturas mistas, essencialmente de vários tipos bactérias, que adaptámos às condições experimentais de modo a que os produzissem”.
Os biorreatores operam através de um processo seletivo curioso, conhecido por “modo de fome e fartura”. Como esclarece a investigadora, “há dois ciclos de alimentação por dia: alimentamos as bactérias com resíduos durante uma hora — o período de fartura — e depois passam por um período de fome de 10 a 11 horas. Assim, quando as alimentamos de novo, consomem os resíduos para prevenirem futuras situações de fome e produzem internamente polímeros”.
Há uma adaptação fisiológica das bactérias “e só ficam dentro do biorreator as que conseguem sobreviver à fome e produzir polímeros”. As outras saem do biorreator e morrem. Os resultados obtidos pelo Grupo Bioeng são impressionantes. “Já conseguimos que 70 a 80 por cento do peso de cada célula seja polímero”, conta Maria Reis. “O resto é proteína, água e material celular”. Depois é preciso partir cada célula para extrair os polímeros, usando por exemplo lixívia, que não os afeta porque não se dissolvem em meio aquoso. “A chamada prova de conceito está feita, através de uma instalação-piloto onde produzimos dois a três quilos por semana a partir de resíduos da indústria alimentar”.
Os biopolímeros formados nas paredes celulares são obtidos através da levedura Komagataella pastoris. E os excretados pelas células (extracelulares) chamam-se exopolisacáridos e são produzidos pela bactéria Enterobacter A47 depois de alimentada com glicerol, um subproduto do biodiesel, ou outros resíduos alimentares. Os dois tipos de biopolímeros estão protegidos por várias patentes internacionais e podem ser usados na indústria cosmética, farmacêutica e alimentar.
Mas afinal, por que razão os plásticos biodegradáveis não estão a invadir o mercado? “Porque custam cinco a dez vezes mais do que os plásticos convencionais”, argumenta a professora da FCT. “Um dos objetivos do nosso trabalho é precisamente reduzir o custo do novo produto para menos do dobro do produto convencional, mas com a vantagem de ser biodegradável, o que significa que não há custos de tratamento dos resíduos gerados pelos plásticos convencionais”. E é aqui que a UE está a investir, “em processos económica e socialmente mais sustentáveis”.
A equipa de Maria Reis está envolvida em vários projetos europeus, que integram instituições de outros países da UE. Mas o financiamento total atribuído ao Grupo Bioeng para a sua participação atinge cerca de três milhões de euros durante três anos. “Os convites para estes projetos têm surgido porque o nosso grupo é reconhecido e nível internacional”, constata a investigadora. “São projetos que se baseiam no uso de resíduos e no conceito de economia circular. O seu objetivo é tratar estes resíduos e criar valor a partir deles, o que significa que passam a ser matérias-primas”.
ECONOMIA CIRCULAR
Segundo o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), a economia circular é a transição do modelo linear de produção de bens e serviços para um modelo circular, onde os resíduos são transformados, através da inovação, noutros materiais que permitem a reciclagem e reutilização. O modelo circular assume que os produtos e serviços têm origem nos ecossistemas e que, no final da sua vida útil, regressam à Natureza através de resíduos com impacto ambiental muito reduzido. “Tudo o que se produz é recuperado”, sublinha Maria Reis. A economia mundial, no entanto, tem sido dominada por um modelo linear de negócios, em que se consomem mais recursos do que aqueles que a Terra consegue repor. E em que as matérias-primas são extraídas e transformadas em produtos que são vendidos e, depois do seu uso, descartados como resíduos.
Maria Reis cria dois a três quilos por semana a partir de resíduos da indústria alimentar São os seres vivos mais antigos da Terra e provavelmente os mais numerosos, mas continuamos a aprender com eles. Ou melhor, com elas, as bactérias. Desta vez, na prevenção de uma praga que se está a espalhar por mares e continentes: os resíduos de plástico.
Maria Reis, professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, lidera no Departamento de Química (na unidade UCIBIO)uma equipa de 36 investigadores e técnicos — o Grupo Bioeng — que está a transformar as bactérias, microrganismos unicelulares, em autênticas fábricas de plástico. Só que o material produzido tem uma diferença radical em relação ao que contamina a Natureza: é biodegradável, decompondo-se em água e dióxido carbono ao fim de três a quatro semanas, contra as centenas de anos que os cientistas estimam para a decomposição dos plásticos convencionais, fabricados a partir do petróleo.
O mais surpreendente é que estas bactérias produzem plásticos a partir de resíduos que de outra forma teriam de ser tratados ou incinerados, com elevados custos. Soro de leite, resíduos de concentrados de fruta, lamas das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e resíduos sólidos urbanos são consumidos pelas bactérias. Dentro delas ou nas suas paredes formam-se, então, polímeros, isto é, aglomerados de moléculas. Ou são simplesmente expelidos.
Os resíduos são colocados em biorreatores, recipientes fechados onde se dão reações químicas envolvendo as bactérias, que depois produzem biopolímeros. Os que se formam dentro das bactérias (intracelulares) são conhecidos por um nome extenso, complicado e difícil de fixar: Polihidoxialcanoatos (PHA).
“MODO DE FOME E FARTURA”
“Os PHA têm uma grande procura no mercado porque são parecidos com os plásticos convencionais nas propriedades mecânicas e químicas”, explica Maria Reis. “Trabalhamos há mais de 15 anos neste domínio, onde somos pioneiros a nível mundial. E conseguimos obtê-los porque usámos culturas mistas, essencialmente de vários tipos bactérias, que adaptámos às condições experimentais de modo a que os produzissem”.
Os biorreatores operam através de um processo seletivo curioso, conhecido por “modo de fome e fartura”. Como esclarece a investigadora, “há dois ciclos de alimentação por dia: alimentamos as bactérias com resíduos durante uma hora — o período de fartura — e depois passam por um período de fome de 10 a 11 horas. Assim, quando as alimentamos de novo, consomem os resíduos para prevenirem futuras situações de fome e produzem internamente polímeros”.
Há uma adaptação fisiológica das bactérias “e só ficam dentro do biorreator as que conseguem sobreviver à fome e produzir polímeros”. As outras saem do biorreator e morrem. Os resultados obtidos pelo Grupo Bioeng são impressionantes. “Já conseguimos que 70 a 80 por cento do peso de cada célula seja polímero”, conta Maria Reis. “O resto é proteína, água e material celular”. Depois é preciso partir cada célula para extrair os polímeros, usando por exemplo lixívia, que não os afeta porque não se dissolvem em meio aquoso. “A chamada prova de conceito está feita, através de uma instalação-piloto onde produzimos dois a três quilos por semana a partir de resíduos da indústria alimentar”.
Os biopolímeros formados nas paredes celulares são obtidos através da levedura Komagataella pastoris. E os excretados pelas células (extracelulares) chamam-se exopolisacáridos e são produzidos pela bactéria Enterobacter A47 depois de alimentada com glicerol, um subproduto do biodiesel, ou outros resíduos alimentares. Os dois tipos de biopolímeros estão protegidos por várias patentes internacionais e podem ser usados na indústria cosmética, farmacêutica e alimentar.
Mas afinal, por que razão os plásticos biodegradáveis não estão a invadir o mercado? “Porque custam cinco a dez vezes mais do que os plásticos convencionais”, argumenta a professora da FCT. “Um dos objetivos do nosso trabalho é precisamente reduzir o custo do novo produto para menos do dobro do produto convencional, mas com a vantagem de ser biodegradável, o que significa que não há custos de tratamento dos resíduos gerados pelos plásticos convencionais”. E é aqui que a UE está a investir, “em processos económica e socialmente mais sustentáveis”.
A equipa de Maria Reis está envolvida em vários projetos europeus, que integram instituições de outros países da UE. Mas o financiamento total atribuído ao Grupo Bioeng para a sua participação atinge cerca de três milhões de euros durante três anos. “Os convites para estes projetos têm surgido porque o nosso grupo é reconhecido e nível internacional”, constata a investigadora. “São projetos que se baseiam no uso de resíduos e no conceito de economia circular. O seu objetivo é tratar estes resíduos e criar valor a partir deles, o que significa que passam a ser matérias-primas”.
ECONOMIA CIRCULAR
Segundo o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), a economia circular é a transição do modelo linear de produção de bens e serviços para um modelo circular, onde os resíduos são transformados, através da inovação, noutros materiais que permitem a reciclagem e reutilização. O modelo circular assume que os produtos e serviços têm origem nos ecossistemas e que, no final da sua vida útil, regressam à Natureza através de resíduos com impacto ambiental muito reduzido. “Tudo o que se produz é recuperado”, sublinha Maria Reis. A economia mundial, no entanto, tem sido dominada por um modelo linear de negócios, em que se consomem mais recursos do que aqueles que a Terra consegue repor. E em que as matérias-primas são extraídas e transformadas em produtos que são vendidos e, depois do seu uso, descartados como resíduos.